quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Separação



Não era fácil para nenhum de nós. Olhei para os rostos de Ben, Tom e finalmente para David. Tão diferentes, tão iguais. Eram meus amigos, meus melhores amigos, que eu aprendera a conviver e a amar em tão pouco tempo. Éramos um time, éramos imbatíveis, éramos tudo o que quatro amigos poderiam ser quando juntos.
Éramos.
E agora tínhamos que nos separar.
Ben deu as costas primeiro. Tom olhou de David para mim como que se desculpasse e depois correu para alcançar o amigo que seguia em frente. Só restava eu e Dave.
E quando David desviou-se de meu olhar e seguiu pela esquerda, percebi que não restava ninguém.
Então corri pela direita até ficar longe demais para me arrepender e chamá-los de volta.

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(To 3°C, with care.)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Tabaco


(Nicotiana obtusifolia)
 
Eram tabaco e toda vez que os via, se sentia um viciado. Talvez nem tanto pelo nome, que David demorou a descobrir. Para ele tanto fazia se o nome daquele tom característico de castanho penetrante era avelã, café ou negro. Eram os olhos dela e isso era o suficiente. Mas desde que descobriu que se chamava tabaco e nada menos que isso, tudo passou a fazer mais sentido.
Depois disso, tabaco nunca mais foi amargo para David.
Tabaco, tabaco, tabaco. Dito assim, tantas vezes, não era mais romântico do que a prece desesperada de um viciado, mas David pensava que, se esse era seu nome, porque não dizê-lo? Tabaco, tabaco, tabaco. Quando você é um viciado, admitir o fato não custa nada.
O difícil mesmo é manter o vício sem enlouquecer com ele.
No caso de David, não enlouquecer quando os olhos dela ignoravam os seus.
Porém, assim como o modo indefinido que descobrira o nome da cor, David não saberia dizer como ou por que amava tanto aquele tom escuro dos olhos dela. Era estranho. Tremendamente estranho. E quando se descobriu dependente, o garoto não pode mais largá-los. Não que ele quisesse. Se todos os vícios fossem doces como aquele, David desejava estar viciado em todas as drogas do mundo.
Podia ser amor, masoquismo, obsessão.
Vício.
Ele não se importava.
Porque o maior estrago de todos já estava feito: o tabaco havia o viciado.
E enquanto tentava suportar a abstinência dos olhos tabaco dela, sentia inveja dos viciados em tabaco comum.
Porque, enquanto os outros apenas não podiam viver sem a droga que aos poucos matava seus corpos, ele não podia viver sem a droga que mutilava seu coração.
É, talvez fosse a hora de ele começar a fumar também.

#
[English version]

They were tobacco and every time he saw them, it feels like an addicted. Maybe not for the name because David had got any time to discover it. In his opinion, that glaring colour could be named hazel, coffee or black that it didn’t really matter. They were her eyes and it was enough to him. But since he had discovered it named tobacco, everything made more sense.
After that, tobacco never was bitter to David.
Tobacco, tobacco, tobacco. Saying this word so many times didn’t look more romantic than a desperate addicted’s pray, but David thought that if ‘tobacco’ was the true name, why didn’t say it? Tobacco, tobacco, tobacco. When you’re an addicted, only admit the fact is like nothing it all.
The hardest it’s keeping the vice without get crazy with it.
In David’s case, don’t get crazy when her eyes ignore him.
However, like the undefined way he had discovered colour’s name, David didn’t know how or why he loved so much her dark eyes tone. It was strange. Absolutely strange. And when it discovered addicted, the boy couldn’t take back your freedom. But even if he could, he wouldn’t. If all vices were sweet like that, David wanted be addicted in every drug of world.
Might be love, masochism, obsession.
Vice.
He didn’t care.
Tobacco already caught him.
And while he tried to tolerate the abstention of her tobacco’s eyes, it felt envy of common addicts.
Because while the others only couldn’t live without the drug that killed your body, he could live without the drug that mutilated his heart.
Yeah… maybe it was time of starting smoke too.

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(Desculpem pelos inevitáveis erros de tradução. É apenas um treino, apenas um teste. É apenas uma verificação se o vício continua presente mesmo na língua inglesa.
K.)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Curtinho


Claire deu um sorriso radiante para Massie:
- Eu vi a sua foto no outdoor. Está muito bonita.
Massie fez sua cara mais blasè de modelo da Vogue.
- Sério?
- Oh, claro. Todo mundo em casa quis parar para filmá-la.
Massie olhou para a garota com reprovação. Caipiras, pensou. Quem iria parar no cruzamento caótico da Rua 17 com a Broadway para filmar um outdoor?
- Vocês não pararam, certo? – Massie perguntou com desdém, examinando a garota melhor. Para um caipira, até que ela era bonitinha, embora o macacão que ela usava estragasse qualquer chance de ser levada a sério.
- Oh, não. Tio Farm esqueceu a câmera em casa, de modo que não pudemos filmar. Ele disse que quando vier para Nova York novamente vai trazer a câmera. E, dessa vez, quem sabe ele passe aqui para filmar você ao vivo.
Massie soltou um suspiro curto. Com Claire hospedada em sua casa, aquele verão prometia ser muito, muito longo...

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(Shortfic do livro Torpedo, de Lisi Harrison.)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

30 Centimeters



Era sempre aquela sensação, como se eu tivesse lepra ou algo do tipo.
Trinta centímetros.
Ele não encostaria em mim nem que sua vida dependesse disso.

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Eu juro que não me incomodava.
Mas (porra!) que mal faria a droga do seu braço direito nos meus ombros?

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Ele achava que tudo estava bem e às vezes eu pensava o mesmo, enquanto fitávamos o horizonte lado a lado em busca de nosso futuro.
Mas eu sabia que não eram meros trinta centímetros que nos separávamos.
Eram as nossas vidas.

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Qualquer pessoa que nos olhasse, julgaria apenas duas pessoas dividindo um espaço em comum.
Dois estranhos a esperar um mesmo ônibus.
Mas eu sempre preferi ser uma estranha a não ter um destino a esperar.

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Ele nunca fora de falar coisas românticas. Eu nunca me importei com isso.
Mas todo aquele espaço entre nós às vezes me deixava louca.
Como nossas vidas poderiam estar tão perto e ao mesmo tempo tão longe?
À trinta centímetros da única pergunta que eu nunca pude responder.

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Perdi muito tempo pensando que um dia entenderia tudo isso.
Talvez meu maior erro tenha sido o medo de pressioná-lo, quem sabe?
Mas tenho certeza que não era medo. Nem repugnância. Talvez fosse eu.
Porém, o mais provável é que o mistério fosse ele mesmo.

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E assim passamos nossas existências.
E os dois estranhos embarcaram em ônibus diferentes.
Nunca saberei se estive separada à trinta centímetros do céu.
Mas pode ser que fosse também do inferno.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Desculpas


Os olhos de Jared não saem de mim enquanto escrevo.
Suspiro e levanto os olhos para ele pela primeira vez depois de séculos.
- Precisa do meu livro para fazer sua pesquisa também, Jay?
- Ah, não é necessário, eu esqueci minhas anotações em casa mesmo – ele dá de ombros, como se aquela desculpa tão cuidosamente planejada fosse a troca equivalente para me fitar por trás das lentes por horas sem fim.

Mas ele nunca admitiria o fato em voz alta.

O que me deixava brava era que, com Jared, nada era direto.
Ele sempre precisava de desculpas.
E, na maioria das vezes, ele as conseguia.

- Bem, está tão complicado que nem eu vou conseguir terminar isso agora – digo de forma não muito convincente para mim mesma.
Na verdade, boa parte do que me deixava brava não eram as desculpas dele.
Eram as minhas.

- O que você guarda nesta pasta, Zoey?
Jared pega a pasta branca enquanto guardamos nossas coisas. As lentes dos óculos dele sempre me impedem de ver o que há em seus olhos.
- Hm, nada de mais. Você sabe, lições e coisas do tipo.
Jared faz um comentário bem humorado sobre todos os nossos trabalhos idiotas e entrega a pasta para mim.
Não digo que o vi no dia anterior lendo todas as minhas músicas quando voltei para a sala pegar o dinheiro que havia esquecido.
Porque, no final das contas, tudo se resumia a desculpas mesmo.

O sinal do fim da aula finalmente soou alto, até mesmo ali dentro da biblioteca, e olho para a janela esperando avistar Mark para irmos embora, como todos os dias.
Mark sorri para mim do lado de fora e aceno para ele com entusiasmo.
Como eu queria que os boatos de ele ser meu namorado da escola funcionassem com Jared.
- Hm, Mark está me esperando lá fora. Eu tenho que ir.
- Hey, não é seu amigo que tem uma banda?
Ele sempre fora bem rápido para conseguir suas próximas desculpas.

Mark e Jared estavam distraídos demais em uma discussão sobre suas bandas de rock preferidas para notar que caminhávamos devagar demais embaixo do céu cinza do parque.
Ou que Jared estava entre Mark e eu.
- Cara, você precisa ouvir as músicas da minha banda – diz Mark, despenteando os cabelos negros como sempre faz quando muito empolgado. – Zoey escreve as músicas mais fodas que você pode imaginar.
Jared sorri e olha para mim inocentemente.
- Eu tenho certeza que sim.

Mark de repente para e olha o relógio na tela de seu celular.
- Merda, Ben vai me matar. Era para eu estar no estúdio dele há quase dez minutos.
Ele bate amistosamente a mão de Jared, se despedindo.
- Foi bom conhecer você, cara. Apareça na nossa garagem quando quiser ouvir alguma coisa, a pequena Zoey pode te dar o endereço – ele sorri para mim. Merda, merda, merda, por que justamente hoje ele não pode me acompanhar até em casa? – Droga, eu disse que ia passar na casa da Holly antes de gravarmos, mas não vai dar tempo mesmo. Já imagino quanto puta da vida ela vai estar. Namoradas. Nunca acham que a gente está tempo suficiente com elas.
Mark me dá um beijo na testa de despedida e desaparece rapidamente pelo parque com um último aceno para nós dois.
Depois de tantas desculpas, ele poderia pelo menos ter deixado a de que era meu namorado para mim.

- Droga, está começando a chover!
Os pingos já nos castigavam e ainda faltava muito para chegarmos a algum abrigo quando desatamos a correr.
- Ah, que sorte!
Jared parou no meio da chuva, procurando algo dentro da mochila.
- Está a fim de uma carona? – pergunta ele sorridente ao retirar um guarda-chuva de lá de dentro.
Olho cética por entre a chuva que nos separava.
- Ele mal consegue cobrir um de nós – eu digo, não querendo aceitar o convite. – Vamos acabar nos molhando do mesmo jeito!
- Mas pelo menos desse jeito você não molha suas coisas – torna ele mais alto que o barulho da chuva, retirando das minhas mãos a pasta branca que eu tentava inutilmente proteger e deixando espaço para que eu entre no guarda-chuva junto a ele. – Vem!
Eu realmente teria ficado feliz com o cuidado de Jared com minhas músicas se a chuva não fosse sempre uma boa desculpa.

O cheiro de madeira molhada dele é a primeira coisa que me atinge quando Jared passa os braços por cima de meus ombros para dividirmos o minúsculo guarda-chuva. Eu até mesmo consigo marcar o ritmo em que caminhamos pela respiração compassada dele. Tento não me concentrar em como ele parece querer me proteger mais que o próprio guarda-chuva.
E de repente... ele para.
- Zoey.
Ainda embaixo do guarda-chuva, olho para as lentes embaçadas dos seus óculos, as mesmas que distorciam a verdade nos olhos e da mente dele.
- Sim, Jay?

Eu cheguei a pensar que pela primeira vez ele seria direto.
E que tudo seria bem mais fácil com ele disposto a ouvir de minha boca a verdade. Ou o meu não.
Mas ele preferia viver no seu mundo de desculpas.

- Você não está com frio, Zoey?

Foi nesse momento que me senti sufocada por aquele cheiro de madeira.
Pelo peso da respiração dele e de sua proteção idiota.
E, principalmente, pelas desculpas.

- Não, Jared. Na verdade, estou tão sufocada aqui que acho que vou embora na chuva.

Ainda consegui ouvir Jared me chamando ao longe para voltar ao guarda-chuva quando saí correndo pela chuva com minha pasta de músicas, mas eu não iria mais voltar.
Minha pasta de músicas caiu em uma poça d'água, mas eu não me importei quando ao chegar em casa e encontrei-as todas molhadas. Eu estava deixando um pedaço de meu passado para trás e se minhas músicas fossem o preço a pagar, eu não me importaria.
Porque não queria mais desculpas para nenhum de nós.
Eu estava liberta.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Enganos



- Sua idiota, será que não aprendeu nada nas aulas de jornalismo? – gritou Johan Carpenter, meu tutor no jornal da escola parecendo realmente irado, mais até do que no episódio dos três garotos pegos distribuindo fotos de seus traseiros. Me encolhi sem perceber. – Só devemos escrever sobre fatos reais!
- Mas eu tinha provas...
- Provas, Evans? Você chama um mero bilhete sem assinatura de prova de um romance entre um professor e uma aluna?! Será que todo esse tempo eu não te ensinei nada?
Ok, eu sei que foi burrice. Mas pareceu ser verdade. Quer dizer, o professor Angus O’Flerty vivia com todo aquele jeito atencioso e estranho com Lyla Brams – como eu ia saber que ele era tio dela? Eles nem tinham o mesmo sobrenome nem nada! E mesmo que tivessem, todo mundo se esqueceu de uma coisinha chamada “incesto”? Fora que ele sempre pareceu mesmo ser um daqueles caras que a gente vive vendo no jornal foragido por crime sexual, com todo aquele jeito articulado dele.
E quem diabos ia saber que a letra de médico naquele bilhete de me-encontre-depois-da-escola caído das coisas de Lyla não era dele? Um jornalista pode se enganar. Ok, quem sabe um jornalista de verdade não se engane. Mas, na hora, quanto mais eu pensava no caso e analisava tudo – o dia em que ele pediu para Lyla ficar até mais tarde na sala dele, ela chorando no banheiro feminino sem motivo algum, a confissão para mim sobre o medo de conversar com os pais sobre seus problemas e mais alguns fatos indiretos –, mais eu tinha certeza que ali havia alguma coisa.
E meu faro jornalístico nunca erra.
Bem, pelo menos eu achava que não.
Então, o que mais eu podia fazer além de investigar o que o cara fazia depois da aula (que consistia em rodar pela cidade até perdê-lo de vista) e depois escrever no jornal da escola as provas para Lyla ler e se sentir a vontade para contar toda a verdade?
Claro que colocar o nome dele completo não foi uma das minhas ideias mais brilhantes...
Mas, se não colocasse, como Lyla e o resto das pessoas, inclusive Angus, ia saber que eu tinha sacado tudo e estava falando daquele pervertido em particular? Quer dizer, não dava simplesmente para abreviar o nome dele. Eu tinha que ser direta, para ele ter ciência que todo mundo sabia também e que ele pagaria se não parasse de aliciar uma pobre aluna indefesa.
Mesmo que fosse apenas sua sobrinha e tudo um engano, mas tudo bem.
- Uma coluna INTEIRA! – Johan arfou ao dizer essas palavras, dava perceber. Ai, merda, eu preferia não ter percebido. – Como você pôde passar por cima do regulamento e publicar isso?
Me encolhi mais ainda. Na hora, achei realmente que devia proteger minha colega. E quem sabe fosse minha grande matéria do ano! Então, ao invés de mandar a notícia falando de Feira de Flores daquele ano, pedi para Andrea mais prazo para finalizar minha matéria, justamente para não ter tempo de passar pela edição ou pela revisão, e mandei depois para a diagramação a matéria falando do crime sexual, sob o inocente título de Quando As Flores Desabrocham.
Apesar de tudo, ainda acho que era um bom título.
Ninguém mais do que passou os olhos no tamanho da minha notícia na edição do jornal, porque a Feira de Flores era um desses eventos chatos e anuais da cidade que todo mundo está saturado de ouvir falar e que dão para os escritores menos prestigiados escrever. E não pude colocar nem uma foto, pois parecia que eu não era importante o bastante para ter meu próprio espaço no jornal da escola para denunciar meu professor maníaco sexual decentemente.
Pela altura dos gritos de Johan, parece que eu posso esquecer de pedir um espaço maior no jornal agora.
Mas, resumindo, foi extremamente fácil fazer minha notícia passar batido pela diagramação e impressão. Deve ter demorado um pouco depois que começaram a distribuir o jornal da escola para que o notassem, pois passei os dias seguintes a entrega da matéria tão sossegada que, se não visse Angus nas aulas de Geometria Analítica, nem lembraria da notícia nem nada do tipo.
Mal sabia eu que, àquela hora, metade da escola já estava falando sobre minha notícia.
E sobre Lyla.
E Angus.
E, consequentemente, sobre mim.
Não posso dizer que meu sucesso como jornalista não foi reconhecido.
Eu sinceramente devia ter notado que na escola tudo estava barulhento demais, mas como ninguém falara comigo sobre a notícia, nem meu amigo Peter, a única pessoa para quem contei sobre meu plano, nem eu nem muito menos o professor O’Flerty demos conta daquilo enquanto malditas fórmulas em papel milimetrado pairavam sob nossas cabeças.
Até hoje, o que nos leva a momentos atrás quando Johan me arrastou até sua sala e começou a gritar feito um louco sobre a repercussão absurdamente negativa de minha minúscula matéria, dos constantes telefonemas de pais querendo que Angus ou seus próprios filhos saiam da escola, das notícias que até Lyla está puta da vida com o que escrevi, além do que Johan está me dizendo agora, que é a possibilidade do jornal de verdade saber do meu rolo e aí fudeu mesmo.
Eu estou começando a pensar nas vantagens do anonimato.
- Então depois de tudo isso – ainda é Johan se descabelando e não parecendo ser aquele professor não muito mais velho que eu –, espero que você saiba que Angus pode muito bem te processar, e com razão, devo dizer, por difamação e calúnia, coisa que QUALQUER escritor, não, qualquer um, deveria saber que acontece quando se usa o nome de alguém indevidamente – está me ouvindo, Evans?
Como se eu pudesse apertar o mute enquanto ele fala na lata sobre nem metade da puta enrascada que estou. Putz, o que vou falar pros meus pais?
- Então agora você tem que ver o que a diretora Rose acha de tudo isso – Johan dá um suspiro e olha cansado para mim. Nesse instante ele parece querer me dar uma trégua. Eu fora inconsequente, quisera fazer algo grande e no final havia dado errado e, como meu amigo e tutor, no fundo me entendia. Então diz: – Infelizmente, devo dizer que desde que os garotos tiraram aquelas fotos indecentes ela não parecia tão brava. E como gosto de você, Gwen, de verdade espero que você esteja bem arrependida.
E quando ele me leva junto com Peter até lá e olho bem para as rugas da diretora, eu entendo exatamente o que Johan quer dizer.
Cara, a única coisa que posso dizer é que ela não estaria mais puta nem se eu tivesse escrito a notícia no meu traseiro e tirado xerox.
Eu deveria ter feito isso.

domingo, 17 de outubro de 2010

Perguntas


15h56min.
Passos nas escadas. Ecos de conversas nos corredores. E milhares de perguntas. Paro, mordendo o lábio inferior. Entro? Vou embora? Entro? Vou embora? Arrumo minha mochila no ombro direito, me sentindo desconfortável. Por que estou parada aqui? O corredor está vazio, não tenho vontade nenhuma de entrar e ninguém me impedirá se eu retroceder o caminho e voltar pela mesma porta que entrei. Então, por que hesito em ir? Culpa?
Porém, o que mais posso perder que já não tenha perdido?
Tantas perguntas e somente uma resposta para todas. Me dirijo até a porta tomada pela súbita decisão de enfrentar qualquer coisa naquele momento... até que olho pela janela e o encontro, encarando a tela do celular. Retrocedo. Não tenho vontade de ter nem uma pergunta respondida.
Vou embora, decido. Quer dizer, quais motivos tenho eu para entrar naquela sala? Nenhum, além de masoquismo. Não é exatamente como ir ao dentista; atrás daquela porta não há nenhuma compensação como dentes perfeitos pós-tratamento ou pirulitos depois de uma obturação. Há apenas submissão... e palavras murmuradas em voz baixa enquanto olhos castanhos impetuosos riem de mim por dentro.
Giro nos calcanhares, dando de cara com um dos coadjuvantes do show de meu algoz semanal. Merda. Desvio os olhos, murmurando um cumprimento mais parecido com um bufo e fazendo um desvio rápido da porta de saída para o banheiro feminino. Ele me responde com um sorriso meio intrigado, mas entra na sala sem se importar comigo. Como eu queria poder fazer o mesmo.
15h58min.
Dentro do banheiro, molho meu rosto. E procuro respostas nas bordas do espelho.
Bem, minha estratégia de sair de fininho já estava estragada por causa da chegada do Senhor Tranquilidade. Não que eu ainda não pudesse ir embora – duvidava muito que aquele cara contasse para qualquer um que me vira do lado de fora e tampouco me importava se ele me achasse louca. Minha falta de fama ali (ou melhor, má fama) era um dos raros motivos que me deixavam alegre, já que não precisava me importar com o que os outros poderiam pensar.
Mas a verdade é que eu não queria admitir minha derrota e covardia indo embora. Mesmo que ninguém soubesse da minha luta interna, eu não queria admitir que fora fraca por não conseguir mergulhar nos olhos âmbar dele e lutar contra a correnteza.
Não queria admitir o fato de ficar sem reação quando ele se dirigia sarcástico a mim. Não queria me sentir incomodada com sua presença em tudo perfeita. Não queria prender a respiração ao sentir seu perfume cítrico. Muito menos ter apenas uma resposta dele para todas minhas indagações.
E, principalmente, não queria admitir o fato do quanto ele poderia me fazer mal.
E do quanto ele realmente fazia.
16h06min.
A maçaneta do banheiro mexeu do lado de fora brutalmente, afogando minhas esperanças de ir embora privada à baixo e me dando tantas respostas quanto ele.
E é assim que resolvo tomar minha dose de dúvidas semanal.
Abro a porta da sala rapidamente e afundo em meu lugar, tentando não chamar atenção, pensando se com isso posso conter os danos ou ao menos manter minha sanidade.
Mas meu pedido é dissolvido pela voz dele, como sempre.
“Someone hates you in this class.”
“What?”, eu pergunto de guarda baixa, como sempre acontece quando estou com ele. E é a última coisa que digo.
Muito mais tarde, perceberia que naquela hora, como em nenhuma outra antes, ele teria me falado a verdade se eu tivesse feito a pergunta certa. Eu poderia ter perguntado o por quê. Ou quem. Poderia até mesmo ter perguntado quando tudo se transformara em ódio. E ele teria me respondido. Mas ele sempre fora como uma esfinge, mas que ao invés de fazer perguntas, dava apenas uma resposta quando o que ele guardava estava ameaçado. E eu tinha tantas perguntas...! Sim, eu ainda poderia ter perguntado: “O que em você está sendo ameaçado?”. Eu poderia ter implorado isso ou perguntado quaisquer dessas questões, mas com aquele inútil “o quê?” eu acabara esgotando minha cota. E quando seus olhos castanhos faíscam e se desviam dos meus, já é tarde demais.
“Nothing. You’re late again.”
E sei que ele não responderá mais nenhuma de minhas perguntas, não importa em qual língua, por um bom tempo.
E é nesse momento que penso que talvez, um talvez meio improvável, eu sei, mas que talvez sejam todas as minhas perguntas a serem respondidas que o deixem ameaçado.
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