quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Vermelho



Severo Snape corria contra o tempo, em direção àquela casa conhecida. Alguma coisa dizia a ele que não poderia chegar a tempo e parecia que quanto mais corria, mais longe ficava da casa, como se alguém não quisesse que ele impedisse o desfecho, que infelizmente Snape sabia de cor qual era.
Foi então que ouviu aquele grito e de repente já estava no andar superior da casa. Havia sangue em toda a parte. E ali estava ela, no meio do quarto. Lily, implorando sua ajuda enquanto desabava no chão balbuciando seu nome; os olhos, outrora tão verdes, vítreos e apavorados, e os cabelos ruivos encharcados de sangue.
Severo abriu os olhos, a respiração descompassada, horrorizado com a cena que ainda repercutia em sua mente.
Mais um pesadelo.
E ele não havia conseguido salvar Lily novamente.
O bruxo levantou-se com rapidez, colocou sua capa preta e saiu, com intuito de ir até a enfermaria e roubar um pouco de poção do sono. Não tivera tempo de preparar para si mesmo naquela semana e Pomfrey nunca entregaria de boa vontade a poção do sono para ele, pelo menos não sem um bom motivo.
E Severo Snape nunca daria explicações a ninguém.
Subiu rapidamente as escadas em direção ao quarto andar, sua capa negra farfalhando no corredor deserto. A verdade era que ele nunca soubera os detalhes do que realmente havia acontecido na noite da morte de Lilian Evans e nunca saberia muito além do fato de que naquele dia não houvera sangue, porque ele mesmo havia implorado muitas vezes para que não houvesse. Só havia a certeza de que era culpado daquilo tudo. Afinal, ele mesmo havia jurado que a protegeria para sempre.
E ele falhara.
E era por isso que Snape achava que merecia todo o sofrimento do mundo.
Mas ver o precioso sangue dela derramado outra vez em seus frequentes pesadelos era uma coisa que Severo preferia evitar, se pudesse. Por isso ele precisava da poção.
O esquecimento.
A paz silenciosa.
O sono sem sonhos.
Severo entrou pé ante pé na Ala Hospitalar, em busca do precioso líquido que embalaria suas dores, encontrando-o na mesma prateleira de sempre, como se Pomfrey soubesse que ele precisaria de mais uma dose diária de amnésia. Com sua varinha, colocou um pouco da poção no pequeno vidro que acabara de conjurar.
Pronto.
A cura temporária.
E enquanto voltava apressado aos seus aposentos, pensava, como muitas outras vezes, que não era digno de todo aquele estupor noturno. Snape sabia muito bem que merecia ver Lily morrendo; que merecia sentir-se culpado, apenas para não esquecer que fora ele mesmo quem a matou. Não importava que não tivesse havido sangue, dor ou tortura na morte dela. Talvez isso só tornasse as coisas mais difíceis, pois ao invés de pedir uma morte limpa para ela, Snape deveria tê-lo impedido.
Mesmo que tivesse de morrer por isso.
Porque, dessa forma, sua existência teria valido a pena. Porque agora, sem Lily, a vida dele não valia coisa alguma. Talvez no futuro, como Dumbledore sempre lhe dizia, ele pudesse fazer algo que redimisse uma ínfima parte de toda a sua culpa naquilo tudo, mas ele preferia ter morrido para protegê-la do que esperar por esse momento que poderia não vir.
E se viesse, ainda não seria para ela.
A verdade é que Severo Snape nunca acreditara em coisas que não fossem controladas por si mesmo. Nunca acreditara em Deus, sorte ou mesmo em destino. Sua vida inteira fora determinada unicamente por suas próprias ações e escolhas e essa era uma das poucas coisas de que ainda podia se orgulhar. O fato de ser o único culpado por seu próprio sofrimento era, na verdade, o maior consolo que Severo Snape poderia obter.
Por isso Severo nunca se importara em sofrer.
Mas somente enquanto acordado. Se ele parasse de sorver a sua poção pacificadora uma noite que fosse, veria em seus sonhos a terrível mancha vermelha que tingia toda a extensão de seus dias. Era o vermelho que tomava conta de seus sonhos quando não conseguia preparar a poção a tempo. Era o vermelho doentio que invadia sua mente há dezessete anos, toda a vez que deixava sua mente vagar sem o efeito do sonífero. Era o mesmo maldito vermelho que vinha a sua cabeça toda vez que tinha que pensar sobre o passado.
O vermelho dos cabelos de Lily.
E isso o enlouquecia.
E enquanto olhava a poção recém surrupiada da Ala Hospitalar em seu quarto, Severo não podia ignorar o poder que o vermelho exercia em sua vida, pois de certa forma Lilian Evans sempre fora o vermelho. Suas bochechas quando encabulada ficavam do mesmo tom leve do crepúsculo que um dia eles viram juntos no lago de Hogwarts. Seus cabelos eram do mesmo tom quente de vermelho do fogo quando se esquentavam no inverno (nesses tempos, Lily sempre usava as luvas de lã vermelha que a mãe tricotara para ela). Seus lábios eram o vermelho delicado e suculento das suas amoras silvestres preferidas. Tudo que se lembrava em Lily era vermelho, vermelho e às vezes verde penetrante, mas principalmente vermelho. Lembrar-se de Lily era todo aquele sofrimento escarlate e também era o preço pela presença dela em seus sonhos, que invariavelmente terminavam com o sangue (maldito vermelho) dela ensopando a consciência do bruxo e o despertando quase em gritos.
E a falta dela era aquela dor aguda que, dividida com a culpa de seus atos, preenchia todas as horas em que estava desprevenido.
Lembrar-se de Lily ou esquecê-la. Eram apenas dois modos diferentes de masoquismo e Severo Snape já estava acostumado com o sofrimento.
Só precisava escolher a maneira menos dolorosa de sofrer por ela.
E um dia, prometeu, ele ainda iria fazer algo que realmente valesse a pena por Lily.
Mas, naquela noite, infelizmente, só poderia fazer algo por si mesmo.
E assim Severo Snape tomou a poção do sono em um só gole e adormeceu até o dia seguinte.

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Nenhum personagem pertence a mim. É tudo da maravilhosa J.K. Obrigada.

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[Inspirado em “Dust”, de Dark K. Sly
(“Porque fora por Draco.”)
E em “Verde, ouro, prata, vermelho”, de Souhait

http://www.fanfiction.net/s/5720302/1/Verde_ouro_prata_vermelho
(“Você precisou morrer para fazê-lo.”)
Recomendo que leiam.]

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