segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Desculpas


Os olhos de Jared não saem de mim enquanto escrevo.
Suspiro e levanto os olhos para ele pela primeira vez depois de séculos.
- Precisa do meu livro para fazer sua pesquisa também, Jay?
- Ah, não é necessário, eu esqueci minhas anotações em casa mesmo – ele dá de ombros, como se aquela desculpa tão cuidosamente planejada fosse a troca equivalente para me fitar por trás das lentes por horas sem fim.

Mas ele nunca admitiria o fato em voz alta.

O que me deixava brava era que, com Jared, nada era direto.
Ele sempre precisava de desculpas.
E, na maioria das vezes, ele as conseguia.

- Bem, está tão complicado que nem eu vou conseguir terminar isso agora – digo de forma não muito convincente para mim mesma.
Na verdade, boa parte do que me deixava brava não eram as desculpas dele.
Eram as minhas.

- O que você guarda nesta pasta, Zoey?
Jared pega a pasta branca enquanto guardamos nossas coisas. As lentes dos óculos dele sempre me impedem de ver o que há em seus olhos.
- Hm, nada de mais. Você sabe, lições e coisas do tipo.
Jared faz um comentário bem humorado sobre todos os nossos trabalhos idiotas e entrega a pasta para mim.
Não digo que o vi no dia anterior lendo todas as minhas músicas quando voltei para a sala pegar o dinheiro que havia esquecido.
Porque, no final das contas, tudo se resumia a desculpas mesmo.

O sinal do fim da aula finalmente soou alto, até mesmo ali dentro da biblioteca, e olho para a janela esperando avistar Mark para irmos embora, como todos os dias.
Mark sorri para mim do lado de fora e aceno para ele com entusiasmo.
Como eu queria que os boatos de ele ser meu namorado da escola funcionassem com Jared.
- Hm, Mark está me esperando lá fora. Eu tenho que ir.
- Hey, não é seu amigo que tem uma banda?
Ele sempre fora bem rápido para conseguir suas próximas desculpas.

Mark e Jared estavam distraídos demais em uma discussão sobre suas bandas de rock preferidas para notar que caminhávamos devagar demais embaixo do céu cinza do parque.
Ou que Jared estava entre Mark e eu.
- Cara, você precisa ouvir as músicas da minha banda – diz Mark, despenteando os cabelos negros como sempre faz quando muito empolgado. – Zoey escreve as músicas mais fodas que você pode imaginar.
Jared sorri e olha para mim inocentemente.
- Eu tenho certeza que sim.

Mark de repente para e olha o relógio na tela de seu celular.
- Merda, Ben vai me matar. Era para eu estar no estúdio dele há quase dez minutos.
Ele bate amistosamente a mão de Jared, se despedindo.
- Foi bom conhecer você, cara. Apareça na nossa garagem quando quiser ouvir alguma coisa, a pequena Zoey pode te dar o endereço – ele sorri para mim. Merda, merda, merda, por que justamente hoje ele não pode me acompanhar até em casa? – Droga, eu disse que ia passar na casa da Holly antes de gravarmos, mas não vai dar tempo mesmo. Já imagino quanto puta da vida ela vai estar. Namoradas. Nunca acham que a gente está tempo suficiente com elas.
Mark me dá um beijo na testa de despedida e desaparece rapidamente pelo parque com um último aceno para nós dois.
Depois de tantas desculpas, ele poderia pelo menos ter deixado a de que era meu namorado para mim.

- Droga, está começando a chover!
Os pingos já nos castigavam e ainda faltava muito para chegarmos a algum abrigo quando desatamos a correr.
- Ah, que sorte!
Jared parou no meio da chuva, procurando algo dentro da mochila.
- Está a fim de uma carona? – pergunta ele sorridente ao retirar um guarda-chuva de lá de dentro.
Olho cética por entre a chuva que nos separava.
- Ele mal consegue cobrir um de nós – eu digo, não querendo aceitar o convite. – Vamos acabar nos molhando do mesmo jeito!
- Mas pelo menos desse jeito você não molha suas coisas – torna ele mais alto que o barulho da chuva, retirando das minhas mãos a pasta branca que eu tentava inutilmente proteger e deixando espaço para que eu entre no guarda-chuva junto a ele. – Vem!
Eu realmente teria ficado feliz com o cuidado de Jared com minhas músicas se a chuva não fosse sempre uma boa desculpa.

O cheiro de madeira molhada dele é a primeira coisa que me atinge quando Jared passa os braços por cima de meus ombros para dividirmos o minúsculo guarda-chuva. Eu até mesmo consigo marcar o ritmo em que caminhamos pela respiração compassada dele. Tento não me concentrar em como ele parece querer me proteger mais que o próprio guarda-chuva.
E de repente... ele para.
- Zoey.
Ainda embaixo do guarda-chuva, olho para as lentes embaçadas dos seus óculos, as mesmas que distorciam a verdade nos olhos e da mente dele.
- Sim, Jay?

Eu cheguei a pensar que pela primeira vez ele seria direto.
E que tudo seria bem mais fácil com ele disposto a ouvir de minha boca a verdade. Ou o meu não.
Mas ele preferia viver no seu mundo de desculpas.

- Você não está com frio, Zoey?

Foi nesse momento que me senti sufocada por aquele cheiro de madeira.
Pelo peso da respiração dele e de sua proteção idiota.
E, principalmente, pelas desculpas.

- Não, Jared. Na verdade, estou tão sufocada aqui que acho que vou embora na chuva.

Ainda consegui ouvir Jared me chamando ao longe para voltar ao guarda-chuva quando saí correndo pela chuva com minha pasta de músicas, mas eu não iria mais voltar.
Minha pasta de músicas caiu em uma poça d'água, mas eu não me importei quando ao chegar em casa e encontrei-as todas molhadas. Eu estava deixando um pedaço de meu passado para trás e se minhas músicas fossem o preço a pagar, eu não me importaria.
Porque não queria mais desculpas para nenhum de nós.
Eu estava liberta.

3 comentários:

  1. Seu blog é muito lindo, parabens! Já estou te seguindo.

    ResponderExcluir
  2. passando aqui pra dizer que amei seu blog :D' se quiser passa lá no meu :D http://dearvelvet.blogspot.com
    beijos !

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...