sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Enganos



- Sua idiota, será que não aprendeu nada nas aulas de jornalismo? – gritou Johan Carpenter, meu tutor no jornal da escola parecendo realmente irado, mais até do que no episódio dos três garotos pegos distribuindo fotos de seus traseiros. Me encolhi sem perceber. – Só devemos escrever sobre fatos reais!
- Mas eu tinha provas...
- Provas, Evans? Você chama um mero bilhete sem assinatura de prova de um romance entre um professor e uma aluna?! Será que todo esse tempo eu não te ensinei nada?
Ok, eu sei que foi burrice. Mas pareceu ser verdade. Quer dizer, o professor Angus O’Flerty vivia com todo aquele jeito atencioso e estranho com Lyla Brams – como eu ia saber que ele era tio dela? Eles nem tinham o mesmo sobrenome nem nada! E mesmo que tivessem, todo mundo se esqueceu de uma coisinha chamada “incesto”? Fora que ele sempre pareceu mesmo ser um daqueles caras que a gente vive vendo no jornal foragido por crime sexual, com todo aquele jeito articulado dele.
E quem diabos ia saber que a letra de médico naquele bilhete de me-encontre-depois-da-escola caído das coisas de Lyla não era dele? Um jornalista pode se enganar. Ok, quem sabe um jornalista de verdade não se engane. Mas, na hora, quanto mais eu pensava no caso e analisava tudo – o dia em que ele pediu para Lyla ficar até mais tarde na sala dele, ela chorando no banheiro feminino sem motivo algum, a confissão para mim sobre o medo de conversar com os pais sobre seus problemas e mais alguns fatos indiretos –, mais eu tinha certeza que ali havia alguma coisa.
E meu faro jornalístico nunca erra.
Bem, pelo menos eu achava que não.
Então, o que mais eu podia fazer além de investigar o que o cara fazia depois da aula (que consistia em rodar pela cidade até perdê-lo de vista) e depois escrever no jornal da escola as provas para Lyla ler e se sentir a vontade para contar toda a verdade?
Claro que colocar o nome dele completo não foi uma das minhas ideias mais brilhantes...
Mas, se não colocasse, como Lyla e o resto das pessoas, inclusive Angus, ia saber que eu tinha sacado tudo e estava falando daquele pervertido em particular? Quer dizer, não dava simplesmente para abreviar o nome dele. Eu tinha que ser direta, para ele ter ciência que todo mundo sabia também e que ele pagaria se não parasse de aliciar uma pobre aluna indefesa.
Mesmo que fosse apenas sua sobrinha e tudo um engano, mas tudo bem.
- Uma coluna INTEIRA! – Johan arfou ao dizer essas palavras, dava perceber. Ai, merda, eu preferia não ter percebido. – Como você pôde passar por cima do regulamento e publicar isso?
Me encolhi mais ainda. Na hora, achei realmente que devia proteger minha colega. E quem sabe fosse minha grande matéria do ano! Então, ao invés de mandar a notícia falando de Feira de Flores daquele ano, pedi para Andrea mais prazo para finalizar minha matéria, justamente para não ter tempo de passar pela edição ou pela revisão, e mandei depois para a diagramação a matéria falando do crime sexual, sob o inocente título de Quando As Flores Desabrocham.
Apesar de tudo, ainda acho que era um bom título.
Ninguém mais do que passou os olhos no tamanho da minha notícia na edição do jornal, porque a Feira de Flores era um desses eventos chatos e anuais da cidade que todo mundo está saturado de ouvir falar e que dão para os escritores menos prestigiados escrever. E não pude colocar nem uma foto, pois parecia que eu não era importante o bastante para ter meu próprio espaço no jornal da escola para denunciar meu professor maníaco sexual decentemente.
Pela altura dos gritos de Johan, parece que eu posso esquecer de pedir um espaço maior no jornal agora.
Mas, resumindo, foi extremamente fácil fazer minha notícia passar batido pela diagramação e impressão. Deve ter demorado um pouco depois que começaram a distribuir o jornal da escola para que o notassem, pois passei os dias seguintes a entrega da matéria tão sossegada que, se não visse Angus nas aulas de Geometria Analítica, nem lembraria da notícia nem nada do tipo.
Mal sabia eu que, àquela hora, metade da escola já estava falando sobre minha notícia.
E sobre Lyla.
E Angus.
E, consequentemente, sobre mim.
Não posso dizer que meu sucesso como jornalista não foi reconhecido.
Eu sinceramente devia ter notado que na escola tudo estava barulhento demais, mas como ninguém falara comigo sobre a notícia, nem meu amigo Peter, a única pessoa para quem contei sobre meu plano, nem eu nem muito menos o professor O’Flerty demos conta daquilo enquanto malditas fórmulas em papel milimetrado pairavam sob nossas cabeças.
Até hoje, o que nos leva a momentos atrás quando Johan me arrastou até sua sala e começou a gritar feito um louco sobre a repercussão absurdamente negativa de minha minúscula matéria, dos constantes telefonemas de pais querendo que Angus ou seus próprios filhos saiam da escola, das notícias que até Lyla está puta da vida com o que escrevi, além do que Johan está me dizendo agora, que é a possibilidade do jornal de verdade saber do meu rolo e aí fudeu mesmo.
Eu estou começando a pensar nas vantagens do anonimato.
- Então depois de tudo isso – ainda é Johan se descabelando e não parecendo ser aquele professor não muito mais velho que eu –, espero que você saiba que Angus pode muito bem te processar, e com razão, devo dizer, por difamação e calúnia, coisa que QUALQUER escritor, não, qualquer um, deveria saber que acontece quando se usa o nome de alguém indevidamente – está me ouvindo, Evans?
Como se eu pudesse apertar o mute enquanto ele fala na lata sobre nem metade da puta enrascada que estou. Putz, o que vou falar pros meus pais?
- Então agora você tem que ver o que a diretora Rose acha de tudo isso – Johan dá um suspiro e olha cansado para mim. Nesse instante ele parece querer me dar uma trégua. Eu fora inconsequente, quisera fazer algo grande e no final havia dado errado e, como meu amigo e tutor, no fundo me entendia. Então diz: – Infelizmente, devo dizer que desde que os garotos tiraram aquelas fotos indecentes ela não parecia tão brava. E como gosto de você, Gwen, de verdade espero que você esteja bem arrependida.
E quando ele me leva junto com Peter até lá e olho bem para as rugas da diretora, eu entendo exatamente o que Johan quer dizer.
Cara, a única coisa que posso dizer é que ela não estaria mais puta nem se eu tivesse escrito a notícia no meu traseiro e tirado xerox.
Eu deveria ter feito isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...